terça-feira, 25 de agosto de 2009

Há muito para além do mero existir...

“Não basta existir, há que viver. Não basta viver, há que ser. Não basta ser, há que transparecer. Não basta transparecer, há que servir. E só então, partir. Saciado de dias e de noites, de luzes e de sombras, de amores, tremores e louvores. Em paz, como um avô sorridente, descascando uma laranja para o seu netinho. Confiante, como uma criança inocente se jogando nos braços de sua mãe. É longa e paradoxal a caminhada de retorno à Morada da Essência, de onde jamais partimos...”

(Roberto Crema)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Os sonhos que nos fazem

Sonhos são planos que lembramos por palavras.
Pensamos que os criamos, mas são eles que nos fazem.
A recordação de algo que parece novidade.
Luz que se lança por sobre a sombra que criamos.
Por vezes é na sombra que está aquilo que realmente importa.

Santo Agostinho dizia - se queres conhecer alguém,
pergunta não o que a pessoa tem, mais sim aquilo que ela ama.
O amor é o sentimento mais abstrato e mais verdadeiro que existe,
disse Gandhi. Este tinha mesmo a alma grande.

Quando, pela manhã, acordamos sem um sonho
é porque morremos e esqueceram de nos avisar.
Melhor seria nem levantar. Isto quem me ensinou
foi Viktor de Salis.

Mera ilusão crer que somos nós que fazemos o sonho.
Não somos capazes de criar coisa tão bela.
Sonhar, isto sim, podemos fazer.
Felizes daqueles que o fazem.
Corajosos aqueles que anunciam isto ao mundo.
Semi-deuses aqueles que se deixam transformar por ele
e o transformam em realidade.

Sonhar é um verbo qu está na imaginação de muitos,
nos planos de alguns e nos atos de poucos.

domingo, 23 de agosto de 2009

"Ilusões da vida"

Disse o poeta...


"Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem - não foi homem,
Só passou pela vida - não viveu."


(Francisco Otaviano)

Uma criança me ensinou a olhar o mundo

E ela me ensinou,
A como olhar o mundo.
E comigo jogou,
Sim, tocou-me no fundo.

Eu só parei de pensar.
E entrei no seu jogo.
Olhava no seu olhar,
Ardia o teu fogo.

É um fogo que queima,
Do mundo os seus véus.
Inocente ela chama.
Pede os olhos meus.

Agora o espanto;
O olho amarelo.
E ensaia um pranto.
Seria o teu flagelo?

Inerte, a encarar,
O fogo lhe é fatal.
Será que está a amar,
Aquele animal?

Tempo...descobre, ao fim,
Mistério da esfinge.
Início, meio e fim.
O desejo que finge.

A beleza do olho,
O mistério do olhar.
E aquilo que colho,
Foi que plantei a andar.

Ficou-me uma lição;
Olhas o teu caminhar,
Ouças o teu coração,
E aprenda a amar.

domingo, 16 de agosto de 2009

O olhar da Clarice

Antes eu tinha medo do seu olhar. Temia que ele me engolisse. Era, para mim, um vazio. Ao mesmo tempo transbordava mistério. Eu não conseguia compreende-lo. Era o desconhecido. Temos medo de tudo aquilo que é desconhecido. Precisamos, inclusive, criar conceitos para a coisa, a fim de nos familiarizarmos um pouco que seja com ela. Era o que eu fazia com o seu olhar. Chamava-o de vazio. Acho que, depois que fomos colocados neste mundo, ficamos desconfiados com qualquer novidade.

Mas um dia, depois de ti conhecer melhor, pude entender um pouco o teu olhar. Olhei por detrás de alguns véus (não todos, afinal alguns mistérios sempre ficam sem resposta) e consegui entender alguns dos enigmas que o teu olhar expressa.

Através do olhar você consegue enxergar a alma alheia. É como se pelo olhar você encarnasse nesta outra pessoa. Consegues entender todos os segredos dela. É um olhar impetulante, porque você está ciente do poder que ele possui. É como se uma coruja morasse em ti.

Ao mesmo tempo é um olhar que acolhe, que perdoa. Sim, bem no cantinho dele, ou então se a gente consegue olhar bem fundo. Isso porque só pode perdoar aquele que entende a alma do outro. Além de perdoar você ajuda esse outro ser a encontrar a vida que há dentro dele. Este é um processo que exige ajuda, porque o nascimento da vida é algo muito sangrento. Muito mais sangrento que a morte. Há, também, um quê de esperança no teu olhar. Uma esperança triste, mas, ainda assim, uma esperança.

Teu olhar é a tua sina e o teu talento. Ti exige muito, eu sei, mas precisamos dele. Ele nos revela a beleza triste que a condição humana apresenta. Uma beleza que, em muitos momentos, não conseguimos observar com o nosso mero olhar de mortais.

Agora eu sei porque tinha medo do teu olhar. Tinha medo do que você poderia encontrar através dele. Mas, ao ti conhecer melhor passei a me conhecer melhor. A minha condição humana já não me causa medo. Além disso, já me acostumei com a dor que existe dentro de mim. Ela me ensina muitas coisas. Obrigado, você me ajudou a encontrar a vida que habita dentro de mim.

sábado, 15 de agosto de 2009

O parto de um poema

Como se faz um poema?
É assim; crie um vazio.
Lembre-se daquela cama,
Vazia, ela sumiu.

Depois você faz amor
Com tudo que lhe faz ter
Saudade. Sentes fervor
Uma vontade de viver.

Aí ficarás prenhe
O poema está em ti.
Pede que você caminhe
É ele que quer sair.

Portanto, se tu pensas
Em, um dia, poetizar
Usa o vazio que tenhas
E lembra sempre de amar.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Ao final...

A saudade é um sentimento vespertino.

Cuidar é também somente observar

Clarice, você me ensinou que há momentos em que não devemos fazer nada. Há momentos em que não devemos falar, pois as palavras são desnecessárias e nunca darão conta de expressar o que se sente, o que se é.
Há momentos em que não devemos cuidar, pois o outro precisa aprender por si mesmo a dor e o prazer implicados no ato de tornar-se humano. Na verdade, neste momentos estamos sendo cuidadores, deixando este outro aprender por si a andar com as suas próprias pernas, ainda que cambaleantes. Ainda que ele caia. Li em algum lugar que o mérito não está em ficar de pé, mas sim em levantar-se após a queda.
Há momentos em que não devemos pensar, pois existir, sentir, viver, não pode ser pensado, mas somente existido, sentido e vivido.
Você consegue me mostrar a beleza triste daquilo que é humano Clarice, demasiado humano.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

"Pão é amar entre estranhos."

Eu fiz amor com um texto teu Clarice Lispector. Sim, é verdade, as tuas palavras me excitam. Quando consigo abrir um vazio dentro de mim, a tua palavra me invade e me causa.
Quando escrevia você era Clarice? Eu tenho a impressão que não. Você se tranfigurava, tornava-se uma semi-deusa. A tua palavra se tornava sangue. Este era o teu dom e a tua sina. Tu eras livre, ainda que dentro de quatro paredes.
Você não era a Clarice quando escrevia. Isso porque a Clarice era humana, demasiadamente humana. A Clarice não conseguiria falar de quão humana ela era. Só a semi-deusa que se expressava por ti conseguiria falar da tua humanidade em demasia.
Vamos Clarice, admita! Você não era você quando escrevia. Você era o seu ser verdadeiro. Então, era com o seu ser verdadeiro que eu fazia amor.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Pre-ocupação

Ao atentar para a realidade e não criar expectativas com relação a coisas que provavelmente não ocorrerão, pode-se viver alegremente e com satisfação da alma a formação e disposição dos pequenos tijolos que formam a mansão dos nossos sonhos.
As palavras não tem peso. São leves ao ponto de serem incômodas.

Im-possível

Impossibilidade é o imposto de uma existência. Há quem sonegue, de toda forma.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A raridade do bem viver

Hoje pensei que as boas lembranças são como pérolas. Elas aparentam fragilidade, quando na verdade são resistentes. Possuem uma beleza singular. De certa forma elas lembram a Lua. Ambas possuem uma beleza meio melancólica. A Lua me desperta um inexplicável sentimento de saudade (as verdades da vida não podem ser explicadas). Rubem Alves diz que a saudade é um intervalo entre a beleza e a finitude. Somos seres de saudade porque somos belos e finitos.

Pois cada lembrança boa que tenho se transforma em uma pérola. Posso dizer que já possuo um tesouro vasto e precioso, de inestimável valor. E o melhor de tudo; ele não pode ser roubado e não se desvaloriza com o tempo. Eu não preciso comprá-lo ou mesmo procura-lo. As pérolas se mostram pelo caminho, basta estar atento para percebê-las, sabendo olhar nos lugares certos.

O meu tesouro se torna cada vez maior à medida que eu o compartilho com as outras pessoas. A lógica é inversa a do capitalismo, quanto mais se divide, mais se tem.

Sim, as boas lembranças são pérolas! E a nossa existência só se faz autêntica quando conseguimos construir um vasto colar, que nos liga aos lugares por onde passamos, experiências que vivemos e pessoas com as quais dividimos as nossas pérolas.

domingo, 9 de agosto de 2009

Verbo e Vida

Quero escrever sobre algo que eu não sei o que é. A ponta da caneta encosta no papel e infinitas possibilidades se apresentam. Pode-se escrever sobre muitas coisas. Mas eu não quero muitas coisas. Quero exatamente aquilo que eu não sei o que é. Pode ser que seja o meu desejo. Ou mesmo a minha experiência. Simplesmente um reforço?

A chuva me diz que ela é imparcial. Ela chove e nada mais. Aquilo que ela leva pelas suas águas que escoam, sejam lembranças que devem ser esquecidas ou o repouso de uma noite de sono, são conseqüências do chover e não o seu objetivo. Interpretações que se fazem acerca do que ela quer com o ato de chover são reflexos dos desejos daqueles que interpretam.

Acho que tudo tem o seu verbo próprio. Tudo e todos estão em busca do SER. O verbo da chuva é chover. E o do humano? O universo do homem é tão vasto! A chuva só precisa chover para ser o que ela é. O ser humano pode se renovar, perdoar, amar... Imagino que o mistério da existência seja o de achar o nosso verbo próprio.

sábado, 8 de agosto de 2009

“Um recado sem som”

As palavras são incapazes de expressar o que realmente queremos dizer. O silêncio é muito mais completo. Nele está contido o mistério e a paz. Nada precisa ser dito porque tudo está entendido. O silêncio é sagrado.

Mas as palavras são necessárias. Não estamos preparados para o silêncio. São muitas vozes que nos gritam. O olhar é nervoso e a perna balança. Há mal-estar porque tememos o que o outro pensa de nós. São os nossos fantasmas que estamos vendo projetados nele. É preciso falar para “quebrar o gelo”. É isso! O silêncio é tão frágil que se quebra com a mais simples palavras, ou o mais breve ruído.

Algumas palavras se aproximam daquilo que se quer dizer. Isso acontece quando conseguimos ser autênticos. Falamos daquilo que sentimos e ao falar nos transformamos. A palavra penetra, deixa prenhe. Ela imprime um desejo. Aí está o encanto da metáfora, visto que reflete aquilo que habita o nosso interior.

“Só fale se for para melhorar o silêncio.” Difícil... talvez impossível. Necessário.